terça-feira, 11 de setembro de 2018

Lei 13.010/2014 – Lei Menino Bernardo


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A Lei Menino Bernardo que altera substancialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente diz textualmente o seguinte:

Art. 18 A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, (...).”

Extraiamos e apartamos as sentenças, que nos interessam a análise do texto legal:

1 - A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante;

2 - como formas de correção, disciplina, educação ou;

3 - qualquer outro pretexto.

Percebam que o texto é claro ao informar que o direito da criança e do adolescente versa sobre ser educado sem o uso de castigo físico que objetive disciplinar ou corrigir a criança ou o adolescente que cometa algum ato ou atitude desrespeitosa, “uma arte”.

A expressão SOB QUALQUER PRETEXTO, elimina a chance de possuirmos uma interpretação do que é ou do que deixa de ser o objetivo da palmada, dita “educativa”. Tudo está proibido no que tange ao disciplinamento com uso de força física, seja essa força empregada com 10N ou 1000N de força. (N = Newton, unidade de medida de força)

Assim, não pode prosperar o entendimento do meu amigo Marcelo Nascimento, externado no texto: “Você Conhece a Lei Menino Bernardo”, publicado em suas redes sociais.

Permitam-nos a discordância de ideias Marcelo. Mas você informa: “Por outro lado, é necessário dizer que a Lei não proíbe toda e qualquer palmada nas crianças e adolescentes. Somente é condenada a palmada que gere sofrimento físico ou lesão. Se a palmada for leve e não causar sofrimento ou lesão estará fora da incidência da lei.”

Ora, se o texto da lei diz SOB QUALQUER PRETEXTO como interpretar dessa forma? 

Ademais, como nos ensinou Ana Paula Bertin em vários diálogos sobre a infância que tivemos: “Você conhece o peso da sua mão?” Melhor argumento impossível.

A quem competirá dizer se a palmada causou sofrimento? Ao agressor? À vítima/agredido? Ou o delegado que eventualmente poderá receber essa demanda? 

Há um conflito aparente de normas, entre o Eca e o Código Civil. É aparente ao leigo que busca analisar a questão sem ter a compreensão de que lei especial (Eca) se sobrepõe a lei geral, Código Civil, e ainda que: lei posterior, se sobrepõe a lei anterior.

O Código Civil é de 2002, a Lei Menino Bernardo é de 2014. Trata-se, assim, de lei posterior.

O Código Civil versa sobre direito de família, o Estatuto versa sobre a proteção integral à crianças e adolescentes, ou seja, uma lei especial.

Nós defensores de direitos temos o dever de enxergar na palmada ou na palmadinha uma violência, tendo em vista que é por meio dela que se inicia a progressão do ciclo de violência e se consolida a lei do mais forte.

Geralmente tentamos “corrigir” os filhos com um tapinha na mão, depois um tapão, depois (....) até perdemos toda autoridade, uma vez que não haverá, adiante, força que controle essa criança ou esse adolescente.

Assim, para nós, não há o que seja moderado ou imoderado haja vista que cairemos na mesma questão: quem vai dizer se foi moderado ou não?

O Art. 6º do Estatuto ainda revela a necessidade de interpretarmos o mesmo levando-se em conta os fins sociais, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 

Quando o legislador faz essa colocação, somos levados a refletir sobre as fases de desenvolvimento destes indivíduos e no processo de construção de seu caráter, e somos nós, adultos, os responsáveis por isso.

No que se refere a violência usada para “disciplinar” , trata-se de uma ferramenta para "impor a educação", o que se pode traduzir em uma grande ignorância do ser humano, o qual pensa que produzirá algo de valor através da  dor e do sofrimento.

A cultura da violência como meio da força física se amolda com a reprodução social da mesma, ou seja, aquele que sofreu violência aprendeu que isso está correto que assim obterá bons resultados, ledo engano.

Portanto, faço a mesma pergunta: “O que muda na prática com a Lei Menino Bernardo”? 

Mas respondo de forma diversa: Muda toda relação familiar, pois os pais precisarão se reeducar. 

Muda toda a dinâmica familiar, fundamentada em uma relação adultocêntrica, principalmente no que tange a forma de tratamos nossos filhos, maioria das vezes de cima para baixo, com imposição, com força... 

Será preciso ainda que os pais aprendam a lidar com sua própria frustração diária sem canalizar isso para os filhos, os mais fracos dessa relação.

Será ainda necessário entender a importância do ”NÃO” e dos exemplos que se dão no dia a dia, inclusive, desde que o bebê se aloja na barriga da mãe.

Não é a toa que a palavra infante significa sem voz!

E não é a toa que precisamos fazer um esforço para entendermos e assimilarmos essa lei tão avançada.

Ademais é preciso fazer esse esforço para internalizarmos o espírito da lei menino Bernardo, para evitarmos o contrassenso na atuação de defesa, proteção e controle de direitos humanos de crianças e adolescentes.

Chegou a hora de rompermos com os ciclos de violência intrafamiliar que se iniciam justamente por meio do pequeno castigo físico.

Fonte: Ana Paula Bertin, Antonia Almeida, Fernando Prata & Giovanni Borges – Equipe Pílulas do ECA

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