terça-feira, 11 de setembro de 2018

Lei Menino Bernardo.

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Trata-se da Lei n.° 13.010/2014, que alterou o ECA e estabelece que as crianças e os adolescentes têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

“Lei Menino Bernardo”, em homenagem a criança Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, que foi morto em abril de 2014, em Três Passos (RS), figurando como autores do crime o pai e a madrasta da criança.

Vejamos o que dispõe a Lei:

Direito de ser educado sem o uso de castigo físico
A Lei n.° 13.010/2014 prevê que as crianças e os adolescentes têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de:
• castigo físico ou
• de tratamento cruel ou degradante.

Quem deverá respeitar esse direito?
• os pais
• os integrantes da família ampliada (exs: padrasto, madrasta);
• os responsáveis (ex: tutor);
• os agentes públicos executores de medidas socioeducativas (ex: funcionários dos centros de internação);
• qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los (exs: babás, professores).

O que é considerado “castigo físico” para os fins desta Lei?
Castigo físico é a ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física que cause na criança ou adolescente:
a) sofrimento físico ou
b) lesão.

Desse modo, a “palmada” dada em uma criança, mesmo que não cause lesão corporal, poderá ser considerada “castigo físico” se gerar sofrimento físico. Essa é a inovação da Lei. Isso porque o castigo físico que gera lesão corporal contra criança e adolescente sempre foi punido, inclusive com a previsão de crime (arts. 129 e 136 do Código Penal).

Por outro lado, é necessário dizer que a Lei não proíbe toda e qualquer palmada nas crianças e adolescentes. Somente é condenada a palmada que gere sofrimento físico ou lesão. Se a palmada for leve e não causar sofrimento ou lesão estará fora da incidência da lei. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que o projeto original que tramitou no Congresso Nacional proibia expressamente toda e qualquer palmada, tendo havido, portanto, um abrandamento na versão final aprovada.

O que é considerado “tratamento cruel ou degradante” para os fins desta Lei?
Tratamento cruel ou degradante é aquele que:
a) humilha,
b) ameaça gravemente ou
c) ridiculariza a criança ou o adolescente.

Perceba, portanto, que a Lei n.° 13.010/2014 proíbe não apenas “palmadas”, ou seja, castigos físicos. Isso porque a Lei veda também qualquer forma de tratamento cruel ou degradante, o que pode acontecer mesmo sem contato físico, como no caso de agressões verbais, privação da criança de algo que ela goste muito etc.

O que acontece com quem utilizar de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como forma de educação contra a criança ou adolescente?
Os infratores estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V - advertência.

"As medidas acima previstas serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais"

A conduta configura crime?
Depende. A Lei n.° 13.010/2014 não prevê nenhum crime. Não traz nenhuma sanção penal. Esse não era o seu objetivo. No entanto, a depender do caso concreto, o castigo físico aplicado ou o tratamento cruel ou degradante empregado poderá configurar algum crime previsto no Código Penal ou no ECA.

Ex1: se o castigo físico provocar lesão corporal, haverá punição com base no art. 129, § 9º do CP.

Ex2: o Código Penal também prevê que é crime “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina” (art. 136).

Ex3: o art. 232 do ECA tipifica o delito de “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”.

O pai ou mãe agressor poderá perder o poder familiar por conta dessa conduta?
SIM. A Lei n.° 13.010/2014 não prevê, de forma expressa, a perda ou suspensão do poder familiar como sanção para o caso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante. No entanto, isso é possível, por meio de decisão judicial, se ficar provado que houve extremo excesso por parte do pai ou da mãe na imposição da disciplina. O tema é tratado pelo Código Civil:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;

Políticas Públicas
A Lei determina que os entes federativos deverão elaborar políticas públicas e ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes.

Para isso, deverão ser adotadas as seguintes ações:
I - promoção de campanhas educativas;
II - integração de políticas e ações entre os órgãos responsáveis pela proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes (Judiciário, MP, Defensoria, Conselho Tutelar etc.);
III - formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social para o enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
IV - incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos;
V - inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a estimular alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
VI - realização de ações focados nas famílias em situação de violência.

Obs: as famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção.

A Lei n.° 13.010/2014 representa uma interferência indevida do Estado nas relações familiares?
NÃO. Essa é a opinião da esmagadora maioria dos infancistas sobre o tema. Segundo a CF/88, é dever, não apenas da família, mas também da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de violência, crueldade e opressão (art. 227).

Veja o que pensam Rossato, Lépore e Sanches:
“Vale destacar que a maioria dos especialistas da medicina, psicologia, serviço social e pedagogia entende que a alteração legislativa é benéfica porque nenhuma forma de castigo física ou tratamento cruel ou degradante é pressuposto para a educação ou convivência familiar e comunitária.
Ademais, um castigo físico considerado moderado ou irrelevante quase sempre acaba sendo o primeiro passo para a prática de atos violentos de maior intensidade e envergadura, desembocando em sérios prejuízos físicos e psicológicos às crianças e aos adolescentes.
(...)
Os argumentos no sentido que o Estado não pode interferir no seio da família são fundados na ideia tutelar e da doutrina da situação irregular que vigiam na época do Código Melo de Matos, de 1927, e do Código de Menores, de 1979, que tomavam a criança como objeto de interesse dos pais.
Entretanto, com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente passou a vigorar a doutrina da proteção integral, segundo a qual crianças e adolescente são sujeitos de direitos em estágio peculiar de desenvolvimento, credores de todos os direitos fundamentais previstos aos adultos, além de outras garantias especiais, a exemplo da diversão e da brincadeira.
Sendo assim, a liberdade, o respeito e a dignidade de crianças e adolescentes são direitos que devem ser respeitados por todos, inclusive pais, e o Estado deve se valer de todos os meios lícitos para garanti-los.
A liberdade de exercício do poder familiar só pode existir na medida do respeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.” (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 159-160).

O que muda, na prática, com a Lei n.° 13.010/2014?
Praticamente nada. Os castigos físicos e o tratamento cruel ou degradante já eram punidos por outras normas existentes, como o Código Civil, o Código Penal e o próprio ECA. A Lei n.° 13.010/2014, que não cominou sanções severas aos eventuais infratores, assumiu um caráter mais pedagógico e programático, lançando as bases para a reflexão e o debate sobre o tema

Confira a íntegra da Lei n.° 13.010/2014.
https://goo.gl/csaHNH

Para garantir os direitos de Crianças e Adolescentes é necessário conhecer todas as leis, pois vivemos em um país com 29 mortes de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violências. E todos temos a responsabilidade de coibir e sessar a Violência contra Crianças e Adolescentes. 

Fonte: Marcelo Nascimento
Presidente da Associação Paulistana de Conselheiros e Ex Conselheiros Tutelares. 
Professor Especialista de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. 
Consultor em Direitos Humanos. 


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